terça-feira, 3 de maio de 2016

"Quem já ligou pro vô?"

Vô, que saudade eu tenho de ti, que nunca tive. Das vezes em que você nunca me colocou nas costas pra eu me sentir grande - como você sempre quis que eu fosse.
Vô, não sinto o cheiro do teu chapéu velho, herdado de uma vida que você não tem mais; mas reconheço nele a única prova física de que você um dia teve força nesse corpo arqueado pelo tempo. Não lembro dos teus braços flácidos, que eu arranharia com as minhas incompetentes unhas de papel, enquanto você fingiria não se emocionar. 
Eu sinto falta dos momentos que nunca tivemos; das vezes em que você reprovaria minha tentativa cômica de chutar uma bola, dizendo que é coisa de menino. Sinto falta dos teus pré-conceitos, que eu nunca ouvi, e que hoje nos fariam discutir nos almoços em família... Eles seriam finalizados com a clássica sentença: “esses jovens de hoje tão virados”. Eu nunca deslizei meus dedinhos viçosos nos sulcos da tua pele, e nunca ouvi tua gargalhada cheia de dentes de mentira, ao me ensinar a falar um palavrão. Sinto falta das histórias que você nunca me contou, e falta de fingir que eu acredito nelas. 
Sinto falta de ouvir você dizendo que me ama, no silêncio do teu palheiro.
Eu sempre achei ter sido melhor assim. Não senti tua partida porque você nunca veio. Mas ainda há em mim algo de ti: a ausência. Há esse vácuo no tempo, ladrão de memórias... Memórias que não tive, mas invento todo dia, como forma de te trazer mais perto, onde você nunca esteve. 

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